quarta-feira, 11 de maio de 2011

O líder Encarnado

Até onde a altura da minha ignorância me permite enxergar, ainda não encontrei uma forma de representar ampla e profundamente toda a complexa simplicidade da essência da liderança conforme vivida por Jesus. De algo, porém, não tenho qualquer dúvida: o quadro deve incluir a encarnação.

Mesmo tendo participado de tantos processos de transformação organizacional quantos me fizessem perder a conta, acompanhado ao vivo e em cores e estudado dezenas de outros casos de liderança, confesso que só recentemente percebi que a encarnação ou não dos líderes foi, é, e continuará sendo fator primordial que separa grandes sucessos de grandes fracassos. E que separa agilidade, rapidez e comprometimento, de postergação, negligência e falta de compromisso. Separa satisfação pela realização, da frustração pelo desperdício de tempo e esforços. Separa celebração de resultados, da busca desesperada de algum improvável sobrevivente do furacão que destruiu tudo por aqui. A distância astronômica entre o prazer do reconhecimento daqueles que nos levaram ao sucesso apesar das dificuldades do percurso, da caça às bruxas dos culpados por termos dado tantas voltas e não termos chegado a lugar nenhum.

Falemos, portanto do que estamos falando.

Estamos falando de um líder que faz parte e faz junto com os que fazem, não aquele que simplesmente espera que façam o que ele (já) disse (tantas e tantas vezes) que tinha de ser feito.

Aquele que nem sequer imagina que mais profunda do que a incoerência do “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” é a necessidade de saber o sabor do que o outro come antes de falar da sua fome, é saber o frio que o outro passa antes de falar de solidariedade, é a necessidade de sentir a dor, a solidão, a prisão e a sede do outro antes de falar de nossa compaixão por ele. De viver junto antes de falar de comunhão. De tirar a placa de vaga reservada antes de falar de igualdade.

Aqueles imersos na ilusão de uma liderança asséptica. Sem contato. Sem toque. Sem risco de contágio. Por controle remoto. À distância. Por vídeo conferência. Pelo telefone. Via internet. Por e-mail. Do púlpito. Da matriz. Das salas de reunião. No Second Life, nunca na vida real.

Os alimentados da ilusão de que o líder tem de ser diferente de nós para que nós o admiremos. Ser distante para que o sigamos. Parecer divino para que o adoremos. Como nos ensinou Peter Drucker ao falar das pequenas baixas entre os generais na 1a Guerra Mundial. Fruto da decisão de não mais acompanharem as tropas no campo de batalha. Exemplo histórico da liderança em que outros, não o líder, assumem os riscos e as conseqüências negativas pelo que for, ou não for feito. Num discurso já padronizado para resultados e responsáveis: pela derrota, eles; pela vitória, eu.

Liderança, liderança mesmo, precisa-se aprender. É esvaziar-se do eu e encarnar a forma do outro, é sentir o que ele sente, é viver o que ele precisa, é dar de si para atender suas carências. Não é uma viagem do pó da terra até as nuvens do Olimpo, mas da infinitude da Eternidade para a finitude da História. Não é livrar-se da brevidade da existência na frieza do mármore de estátuas, mas na trama eterna que as linhas da nossa biografia tece com as linhas da biografia do outro.

Jesus, o Filho, é Deus. Sempre. Sempre Senhor de tudo e de todas prerrogativas, mas ao contrário dos que almejam a primazia, o posto mais alto, o destaque, o primeiro lugar, fez o caminho inverso. Para nos liderar, esvaziou-se. Enquanto líderes se endeusam, Ele se humanizou. Enquanto líderes se afastam, Ele se aproximou. Enquanto eles se servem de nós, Ele nos serviu. Enquanto se isolam no último andar, Ele se deixou envolver por um útero adolescente. Enquanto eles se entronam em ouro, Ele se deitou no feno da manjedoura. Aqueles se cercam do brilho do luxo; Ele se cercou da pobreza dos mais pobres, da necessidade dos aflitos, da tristeza dos rejeitados, da escuridão dos cegos no corpo e no espírito. Aqueles caminham suspensos sobre as cabeças dos mortais; Ele arrastou os pés pelo pó da terra, matéria prima do Seu e dos nossos corpos. Sendo Deus, fez de Si mesmo carne, para nos fazer eternos como Ele. Aqueles se embriagam de sucesso, Ele se esvaiu no vinho de Seu sangue. Eles salvam a si mesmos sacrificando a todos que sujeitam. Ele sujeitou-se a salvar a todos pelo Seu sacrifício.

Liderança, liderança mesmo, não é um processo de expansão do eu, mas de sua limitação. Não é a trajetória entre o desejo de ter poder até ter todo o poder, mas caminho inverso, entre o privilégio de poder até a decisão de servir.

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