sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

'O indio é assim'

Josias Cambuy
Missionário entre o povo Yanomamy

Tio Cambuy, é verdade que os indígenas viviam em paz antes da chegada dos portugueses aqui no Brasil? Tio, os índios são realmente preguiçosos?

Estas e tantas outras perguntas precisei responder durante palestras realizadas nos centros educacionais que visitei nestes últimos meses.

São perguntas sinceras, feitas por mentes ainda em formação, que precisam ser bem respondidas, para que as futuras gerações, “nossos filhos”, não repitam os mesmos erros grosseiros que muitos de nós temos praticado em relação aos nossos tão queridos indígenas!!! Ou não são tão queridos assim?

Por que não são queridos os nossos irmãos? Será que reservamos em nossos corações algum espaço, por pequenino, que seja para amá-los?

Sim, caros leitores, aqui desejo lembrá-los um pouco da nossa imensa dívida com eles. Uma dívida moral, pois durante tanto tempo temos aprendido e transmitido às nossas crianças histórias totalmente distorcidas da verdade. Histórias que produzem em nós repulsa, medo, desprezo e indiferença, quando deveriam ser as de um povo lutador, sobrevivente e que sabe o que é sofrer.

Devemos a eles nomes de muitos pontos geográficos, bairros e cidades. E o que dizer da nossa zoologia, que sabiamente tomou emprestado da língua nativa nomes para muitos dos nossos animais como: peixes, aves, insetos, répteis, etc. Estes nomes cheios de significados estão incrustados no nosso idioma e os usamos no nosso dia-a-dia. Isto deve nos levar a pensar como são bem estruturadas a língua e a cultura dos indígenas brasileiros!

O índio é assim: traiçoeiro, preguiçoso, pronto a matar, promíscuo, sem sabedoria, etc,etc.
Alto lá com estes adjetivos! Estes são conhecimentos bem distorcidos a respeito da nossa gente! Um passo atrás, por favor!

Acompanhe-me apenas nesta reflexão a respeito do mito: O ÍNDIO É PREGUIÇOSO. Primeiro minhas sinceras desculpas a todos quantos não pensam desta forma (vocês não precisariam ouvir minhas explicações) e principalmente aos nossos leitores indígenas que por vezes têm que ouvir tais impropérios citados acima.

Vejam só isto: o indígena precisa sair todos os dias para buscar seu próprio alimento, pois ele não tem como estocá-lo. Por vezes sai às quatro horas da manhã, ou mesmo passa a noite toda pescando. Lá ele passa muito frio, é acometido por toda sorte de insetos, ou passa por perigos sem fim. Às vezes sofrem acidentes com animais selvagens ou machucam seus pés em troncos e pedras. Tudo isto, no entanto, se passa muito longe dos nossos olhos! Cedo, de manhã, muito quieto e cansado retorna à sua casa com o alimento para seus filhos.

Mais tarde nós chegamos (de alguma forma entramos na sua história), já alimentados, com uma noite bem dormida, bem vestidos, normalmente passeando e prontos para ver o índio, se possível como a televisão nos apresenta, é claro! Aí vem a primeira decepção e as conclusões distorcidas: “o índio é preguiçoso, só vive na rede”. Primeiro: está na rede porque ali é o seu sofá, sua cama, sua cadeira, sua mesa e muitas vezes sua área de serviço. Segundo: esta é a sua hora de descanso, bem diferente da nossa, mas apenas diferente! Porém, não estamos prontos para ver o índio como ele realmente é! O índio não é assim! Ele é como a sua própria cultura o ensinou a ser. Cada etnia, cada grupo tem seus próprios costumes e sua cultura característica. Porém, nem um grupo étnico que eu conheça tem a cultura da preguiça, do ser traiçoeiro ou qualquer outro adjetivo que o desmereça.

O índio é assim, humano como nós, apenas diferente culturalmente!

Texto Extraido da Revista Confins da Terra (MNTB)

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