sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Viagem rumo à uma aldeia Kuripako

Miss. Marcelo Pedro

“Ó Senhor, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o Teu nome! Pois expuseste nos céus a Tua glória” Salmo 8:1

Continuamos servindo ao Senhor e completamente envolvidos na tarefa de alcançar as tribos do alto rio Içana com a mensagem do Evangelho. Neste momento estou a bordo de uma tosca embarcação de madeira. Estamos no segundo dia de uma viagem de 1.300 km rumo à “Cabeça do Cachorro”, no extremo norte da região Amazônica, confins do Brasil.

Ciente dos vários dias que serão consumidos nesta jornada, recosto-me à rede e atiro-me à tarefa de rabiscar esta. Toda a expectativa de comunicar-lhes nossas notícias só é superada pela enorme gratidão que transborda em meu coração por suas vidas e pelo apoio e carinho demonstrados para conosco.

Logo que principiei a descrever os acontecimentos do nosso ministério, em meio ao belo panorama da paisagem banhada pelas águas de reluzentes reflexos, algo no horizonte distante capturou a minha atenção! Observei o sol descendo do céu semelhante a um disco incandescente, enovelado entre flocos de nuvens alvíssimas! Auréolas de púrpura luminosas adornavam as camadas de nuvens que se aglomeraram lentamente, como que dando formas variadas a um panorama de maravilhosa beleza. Extasiado, observei o céu inundar-se de múltiplas cores sobre a linha opulenta do horizonte! Minha súbita impressão foi que a natureza, em resposta a uma Poderosa Presença invisível, se descortinou diante dos meus olhos num solene e glorioso cortejo, orquestrado por uma sinfonia de coloridos indescritíveis!

Que visão! Que cenário! Por alguns instantes quedei-me atônito! Meus pensamentos cessaram! Não pude mais me conter! Minhas pupilas se dilataram, como que almejando fixar para sempre nas retinas o esplendor daquele ocaso. Meu coração incandescido de paixão pelo Autor da obra parecia saltar em exultação dentro do peito! Todo o meu íntimo se derramou em adoração, fazendo fluir nos lábios alegres expressões de louvor. E orando baixinho, exclamei: “Oh, Deus! Graças Te dou por ter sido tomado do horror da minha miséria, para conhecer a beleza da Tua Majestade! Muito obrigado pelo privilégio de ter sido escolhido para servir como missionário! Que bendita graça! Como é bom estar em Tuas mãos e ser conduzido através deste exuberante caudal sinuoso, para falar do Teu poder e da Tua grandeza àqueles que não Te conhecem! Como gostaria que tantos que amam a Tua obra pudessem também penetrar nos densos recessos da floresta amazônica, para contemplarem no resplendor dos seus aspectos, esta visão deslumbrante dos céus proclamando a Tua glória e o firmamento anunciando a obra das Tuas mãos!

Como gostaria que outros tantos desconhecidos, que residem isolados na selva ameaçante, reconhecesse a Tua majestade e quedassem diante do Teu poder imutável, crendo na autenticidade dos Teus atributos e do Teu maravilhoso amor”.

Momentos inesquecíveis que ficarão gravados indelevelmente na memória do viajante boquiaberto! O calejado missionário ainda encontra momentos para ficar embevecido, porque seus olhos se quedam ante a visão assombrosa daquele cenário de imponência, força e beleza! E em meio a uma suave brisa que sopra continuamente sobre seu rosto, levanta os olhos ao céu e, com o coração transbordando de gratidão, suspira comovido: “Querido Deus! Como Tu és maravilhoso! Como me sinto tão feliz no deleite da Tua presença! Eu não trocaria por nada esta oportunidade de estar neste lugar, desfrutando de tão doce comunhão! Jamais gastaria a minha vida de outra forma, nem por tudo que há no mundo!” Neste ponto, a afirmação bíblica comprovou-se fiel e verdadeira: “…na Tua presença há plenitude de alegria, e em Tua destra delícias perpetuamente.”

Lentamente, o sol começa a morrer. Todo o ocidente arde em cores reluzentes, de riquezas faiscantes! Ao longe, o verde escuro das árvores vai se diluindo, parecendo que as copas das árvores, quais silhuetas esfumaçadas, vagarosamente são encobertas por um imenso lençol luminoso. Continua o sol declinando… Eis que me surpreende, no firmamento acinzentado, a enorme revoada de garças sob a imensa abóbada rosada. Agrupadas em vários bandos, elas adejam pelo céu numa notável sincronia de movimentos e suntuosidade. Orientadas por seu líder, voam rumo às copas das árvores, cujos galhos elevados garantem às frágeis avezinhas sítios invioláveis nos quais repousam e constroem seus ninhos. Lembrei-me das palavras cheias de doçura e amor, pronunciadas pelo querido Salvador: “Observai as aves do céu… vosso Pai celeste as sustenta. Porventura não valeis vós muito mais do que as aves?” Mt 6:26

Ainda é possível ver ao longe, nas altas ribanceiras, a espiral fumarenta que sai de uma palhoça isolada. Possivelmente, os moradores dessas terras distantes de tudo e de todos são caboclos ribeirinhos. Gente que está arraigada a um modo primitivo de viver, onde o sentido da vida se perde em si mesmo. Sem acesso a escolas, desprovidos de qualquer espécie de assistência médica ou bem estar material, esbarram a todo instante com a morte, como quem tropeça num torrão da própria sepultura. Gente desolada, que desconhece por completo a vida abundante que há em Cristo Jesus. Quem não se comove com este quadro? Quem se dispõe a contar-lhes a linda história da Redenção em Cristo Jesus? Meu brado ecoa no silêncio, enquanto minha alma é arrebatada pelo mesmo sentimento que encheu o coração de Hudson Taylor: “Oh! Se eu tivesse cem vidas a dar ou gastar, para que todos eles conhecessem a maravilhosa graça de Deus!”

O sol finalmente desaparece. Imediatamente, a noite estende o crepe gelado e negro do seu véu sobre toda a “Cabeça do Cachorro”, encobrindo o verde da paisagem e fazendo pairar sobre nós uma tênue sensação de medo e opressão. À medida que avançávamos noite adentro, fui compreendendo a razão de tais sentimentos. Não é de supor que inimigos invisíveis deixassem invadir seu território, sem incitar algum tipo de resistência. Seres sinistros que habitam estas paragens, e que batalham de todas as formas para impedirem que a Palavra da Verdade alcance os recônditos dos corações desesperançados dos que vivem neste imenso “inferno verde”. Nisto me veio à mente a bendita promessa do Senhor Jesus: “…e eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século”. Impulsionado e fortalecido por esta poderosa palavra, acomodei-me relaxadamente à minha rede, e esboçando um pequeno sorriso nos lábios, arrematei: “Querido Jesus, obrigado por Tua constante presença ao meu lado! Não importa aonde vá, ou o que me aconteça, Tu sempre estarás comigo! Sinto-me seguro e confiante sob as Tuas vistas, caminhando na fidelidade das Tuas promessas!”

Queridos irmãos, a obra missionária é constituída de momentos como estes! Inicialmente me propus a relatar sobre a nossa caminhada missionária, mas fiquei absorvido pela luz deslumbrante do sol poente sobre as imponderáveis águas do rio Negro. Esforcei-me na descrição, não para impressionar, mas porque acredito que o Autor divino tem prazer em contemplar a Sua glória refletida em Suas obras. E o meu desejo foi dar-lhes, de relance, um pequeno retrato dessa glória manifestada sobre o verde escuro da selva. Na realidade, o grande anseio do meu coração é que esta mesma glória também seja refletida em toda a sua beleza e majestade na vida de cada índio Kuripako do alto rio Içana. Este é o verdadeiro motivo que me impulsiona rio acima.

A Deus toda a glória!

Extraído da Revista Confins da Terra, Edição 123, p. 10 e 11.

Nenhum comentário:

Postar um comentário